Você já percebeu que o mundo do trabalho mudou radicalmente — e talvez de forma irreversível — desde a pandemia? O que foi até 2019 simplesmente não existe mais. E se tentarmos seguir como se tudo ainda fosse igual, o colapso pode ser inevitável.

Um breve olhar histórico: de estabilidade à exaustão

Houve um tempo — não tão distante assim — em que trabalhar na mesma empresa por 30 anos era sinônimo de sucesso. Essa lógica veio do século XX, principalmente do pós-guerra, quando o modelo industrial forjou a figura do "bom funcionário": obediente, assíduo, técnico. O lema era “o chefe manda, o empregado obedece”. E assim seguia-se: ao fim do expediente, voltava-se para casa. A vida estava, de certa forma, compartimentalizada.

Nos anos 80 e 90, com o avanço da globalização e do marketing corporativo, surgiram expressões como "vestir a camisa" ou "somos uma família" — o que parecia acolhedor, mas também gerou confusão entre o que era trabalho e o que era vida pessoal. Nos anos 2000, com a ascensão da tecnologia e da internet, a conexão passou a ser constante. E com ela, a cobrança também. Ser “engajado” virou pré-requisito. Veio a ideia de "ter visão de dono", e a jornada de trabalho foi deixando de ter fronteiras claras.

A pandemia como ponto de virada

Então veio 2020. O mundo parou. A pandemia colocou em xeque tudo o que acreditávamos ser “normal”. Muitos enfrentaram o luto — de pessoas, de planos, de identidades profissionais. O trabalho invadiu as casas. A conexão se intensificou, mas o contato humano desapareceu.

Houve uma revisão silenciosa de valores. Para muitos, não fazia mais sentido trabalhar apenas por status, salário ou cargo. A saúde mental virou pauta urgente. Surgiu a esperança de que sairíamos disso mais humanos, mais conscientes, mais conectados com o que realmente importa.

Mas o sistema quis voltar a 2019. E não deu certo.

A partir de 2022, o movimento foi de retorno ao presencial, à produtividade máxima, aos mesmos discursos motivacionais que antes pareciam inspiradores e hoje soam quase cínicos. As frases “somos uma família” ou “tenha espírito de dono” passaram a ser vistas com desconfiança — ou até com ironia. Em redes sociais, é comum ver prêmios de “Melhores Empresas para Trabalhar” sendo satirizados, justamente por mascararem ambientes de trabalho que também adoecem.

Enquanto isso, os índices de ansiedade, burnout e depressão crescem silenciosamente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo e um dos líderes em casos de burnout.

E o adoecimento psíquico não é apenas individual — é organizacional.

A resposta regulatória: NR-01 e riscos psicossociais

A revisão da NR-01, que inclui a obrigatoriedade de avaliar riscos psicossociais nas empresas, foi um importante avanço. Mas a implementação da multa foi adiada. A verdade é que muitas empresas não estão preparadas para lidar com o novo mundo do trabalho.

Elas ainda operam com lógicas do passado: comando e controle, carga horária como métrica de produtividade, metas desconectadas do propósito.

Estamos vivendo um colapso? Ou a chance de uma reinvenção?

Talvez o mundo do trabalho não esteja colapsando — mas sim implodindo estruturas obsoletas para dar lugar a algo novo.

Isso exige coragem. Das lideranças, que precisam abandonar o discurso de alta performance a qualquer custo. Das empresas, que precisam repensar seus modelos e se comprometer com segurança psicológica. E de cada profissional, que precisa reavaliar suas escolhas e limites com lucidez.

Conclusão: o que não pode mais voltar

O que não pode mais ser tolerado: a romantização do excesso, a glamorização da produtividade tóxica, o desrespeito à saúde mental, o assédio moral.

A pergunta talvez não seja "o mundo do trabalho está colapsando?", mas sim:

O que precisamos deixar colapsar para que o trabalho volte a fazer sentido?